sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O Constitucionalismo na Bolívia

Artigo que merece reflexão sobre tema ainda pouco discutido pelo nosso constitucionalismo. As idas e vindas do modelo diferenciado tentado pela Constituição boliviana.

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SALVADOR SCHAVELZON
O conflito em curso na Bolívia em razão da resistência à construção da
rodovia que cortaria o Tipnis (Território Indígena Parque Nacional Isiboro
Sécure) é um confronto entre duas forças que, até recentemente, conviviam
como parte do projeto político que elegeu Evo Morales e resultou na
proposta constitucional de 2009.
De um lado a proposta indígena do "Viver Bem" e da construção de um Estado
plurinacional comunitário, com base no direito à diferença e
reconhecimento de autonomia e território dos indígenas.
De outro, a busca de integração nacional, a luta contra a pobreza pelo
desenvolvimento capitalista, a industrialização e o discurso estatal
nacionalista, que prioriza o que seria o interesse das maiorias, apesar de
custos ambientais e da violação de direitos. A tensão na Bolívia expõe a
possibilidade de que a solução não seja a habitual, do etnocídio, tendo em
conta a capacidade de mobilização tantas vezes demonstrada.
A recente operação policial para dispersar a marcha de protesto deve ser
compreendida como sinal de um novo cenário, no qual o governo se afasta de
seus velhos aliados.
As duas tendências agora antagônicas resultam na separação entre os povos
indígenas da selva -e seus aliados nas cidades e nas comunidades andinas
que buscam a reconstituição de seus territórios ancestrais- e o governo e
suas bases camponesas e cocaleiras, que vêm ocupando o território e
aprovam a construção da estrada.
É por isso que se escuta hoje que "Evo Morales nunca foi indígena" e
antigos adversários se unem em defesa dos povos das terras baixas.
Com o desenlace desse conflito, poderemos determinar se surgirá um novo
quadro político, com novos agentes que arrebatem ao governo as bandeiras
da descolonização, da Pachamama e do território; ou se o governo Morales
reagirá e recuperará sua capacidade de avançar costurando projetos
diferentes das maiorias e também das minorias indígenas, que pela primeira
vez detêm poder, para levar adiante a construção de um Estado
plurinacional na Bolívia.

SALVADOR SCHAVELZON é antropólogo e professor da PUC-Campinas, com
doutorado sobre o processo constituinte boliviano (Museu Nacional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro)

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