terça-feira, 13 de setembro de 2011

A "Oresteia": notas de aula

Resumo da apresentacao da "Oresteia", de Esquilo, composta pelos monitores Gilberto Guimaraes e Paula Zalouth. A aula foi conduzida no dia 12.09 pelos mesmos monitores.
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A Orestéia de Ésquilo narra a convivência e crise dos antigos Deuses gregos(representando a tradição e o costume anteriores à pólis ) com uma sociedade que já tornara-se mais complexa. Esta crise ocorre não por falhas no modelo taliônico, mas devido a esta complexidade mais elevada que o tornou insustentável¹.
Em uma sociedade segmentária, na qual não havia poderes metafamiliares, o talião funcionava como um meio de estabilização social eficaz². Nesta sociedade constituída por gens, anterior à instituição da pólis, cabe aos próprios patriarcas decidirem como agir em relação às suas próprias famílias e aos conflitos com outras. Portanto, conflitos exteriores à própria família são indiferentes.
Porém, na transição do genos aristocrático à pólis democrática, da sociedade segmentária à centroperiférica, o talião não é mais suficiente para estabilizar os problemas derivados da maior complexidade. Aqui tudo deve ser feito tendo em mente a pólis e não apenas o meu círculo familiar. A indiferença aos conflitos exteriores torna-se inviável no momento em que o talião não está agindo apenas em famílias, mas no próprio palácio, na família real. Logo, tal conflito atingirá o interesse de toda a pólis. Este novo modelo tornou o até então bem-sucedido talião insustentável e trazendo mais problemas do que soluções.
Esta tensão é levada à trilogia de Ésquilo através da matança ocorrida na família real dos Átridas. Anteriormente à narrativa, já ocorrera o Festim de Tiestes, banquete no qual Atreu(irmão de Tiestes) servira vingativamente os próprios filhos de Tiestes a este que os comeu. Como diz o trecho:
A terrível fadiga de veraz vaticínio
Sobverte-me revolvendo com prelúdios.
Vede sentados perto do palácio estes
Jovens similares a figuras de sonhos:
Crianças como se mortas pelos seus,
As mãos cheias de carnes, pasto próprio,
Com intestinos e vísceras, mísero peso,
Parecem ostentar o que o pai  degustou.
(Agamêmnon, v.1215-22)
Também havia o sacrifício de Ifigênia(filha do rei Agamêmnon com Clitemnestra) em troca de bons ventos para a expedição de Troia. Portanto, a narrativa já começa com a compreensão de que o talião já existe e continuará a agir dentro do palácio.
Ao voltar vitorioso da guerra de Troia, Agamêmnon é assassinado pela sua esposa Clitemnestra e seu amante Egisto; a primeira o vingou da morte de sua filha, e o segundo, por ser filho posterior de Tiestes, pelo banquete.
Então Orestes, filho renegado do casal real, até então expulso de Argos, retorna à cidade atormentado pelas Erínias paternas(que representam a cobrança da continuação do talião, da continuidade do costume), que exigiam a morte dos assassinos de seu pai. Então este mata sua mãe e Egisto, livrando-se das Erínias paternas. Todavia, inicia o tormento pelas Erínias maternas; o que antes era o dever de vingança, agora é a consciência e agonia de saber que ele deve ser vingado. Na lógica do talião executor e executado são equivalentes.
Neste momento o talião chega ao pico de sua insustentabilidade. Caso Orestes morresse, a pólis ficaria sem governantes. Entretanto, não havia ninguém para vingar Orestes, mas mesmo assim a perseguição das Eríneas não cessaria até que ele morresse. Então o rei vivia transtornado. O coro perguntava-se:
 
Depois a morte do marido,
Trucidado no banho pereceu
O rei guerreiro dos Aqueus.
Agora veio o terceiro salvador
Ou devo dizer: trespasse?
Onde concluirá? Onde repousará
Adormecida a cólera de Erronia
(Coéforas, v.1070-6)
 
Orestes pede ajuda a Apolo, que havia o orientado ao matricídio. Então estes vão até o santuário de Atena, Deusa que representa o poder político de Atenas, buscando um julgamento imparcial. Atena sente-se incapaz de decidir, portanto chama ilustres anciãos da cidade e inicia-se o julgamento; estando de um lado as Erínias exigindo o respeito à sua função tradicional, e do outro Apolo, defendendo Orestes e a sua não punição.
Ao fim Orestes é absolvido. Não exatamente por não merecer tal punição, mas para marcar a derrota do talião e a transição desta justiça privada para uma pública, do Areópago – criado para este julgamento. As Erínias, entretanto, não são expulsas da cidade, e sim reintegradas com uma mudança no seu significado. Em vez de buscarem a vingança cega, elas manterão o temor e o respeito à lei, simbolismo também necessário à justiça pública em sua domestificação da violência, como diz Atena:
 
Sabem elas descobrir caminho
De boa palavra?
Vejo destes semblantes terríveis
Grande lucro para estes cidadãos.
Se honrardes sempre benévolos
A estas benévolas, brilhareis,
Govarnando terra e cidade
Em tudo com reta justiça.
(Eumênides, v.988-95)
 
E assim as Erínias transformam-se em Eumênides, agora Deusas da pólis.
 
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¹  Os homens iniciam seus agrupamentos como nômades, em um centro primitivo; e, desde então, foi-se sobrepondo camadas civilizatórias sobre este centro, como a sedentarização, o comércio, hierarquias... e cada camada civilizatória posta ao redor deste centro é o que chamamos de aumento da complexidade social. É a metáfora da alcachofra.
² Mais informações sobre as expectativas e a estabilização social na seguinte postagem: http://profsandroalex.blogspot.com/2011/04/breves-notas-sobre-oresteia-de-esquilo_05.html.
 

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