domingo, 1 de maio de 2011

Qual o sentido da Monarquia hoje? A realeza mais perto do real

Valor Econômico Cultura
Internacional: O casamento que agora se celebra pode ser tão midiático
quanto o de Charles e Diana, mas se faz em bases novas e mais sólidas,
para os noivos e para a monarquia.
A realeza mais perto do real
Renato Janine Ribeiro | Para o Valor, de São Paulo
29/04/2011


______________________________________________

A monarquia hoje subsiste melhor quando se vê desprovida de todo poder efetivo e, em compensação, carrega forte poder simbólico. Isso começou com a rainha
Vitória, da Grã-Bretanha. Quando subiu ao trono, em 1837, a monarquia
estava no seu ponto mais baixo. Não fosse ela, pode ser que as Ilhas
Britânicas tivessem adotado o regime republicano. Seu tio, que governara
de 1811 a 1830, deixara péssima reputação moral. O que fez Vitória, graças
a conselheiros hábeis? Retirou a coroa da política. Investiu na vida em
família. Ela e o marido, o príncipe Alberto, se tornaram modelos da
decência. A imagem de uma realeza que reúne todas as virtudes da vida
burguesa e se afasta dos conflitos políticos garantiu enorme estabilidade
ao país, então mais poderoso do mundo.

Assim sucedeu com a maior parte das monarquias hoje respeitadas -
basicamente, as europeias e a japonesa. Nos países árabes, a realeza é
ditatorial; na Tailândia, quase. Mas no Reino Unido, na Espanha,
Escandinávia, Bélgica, Holanda e algumas outras nações, a monarquia
consegue respeito porque é símbolo da unidade. A diferença fica por conta
dos partidos políticos. São regimes fortemente democráticos porque
sabiamente dosam a parcela necessária de unidade nacional - com uma
família real, ducal ou o que seja - e a parte imprescindível de conflito e
diferença, esta a cargo dos partidos.

Como todo simbolismo, este deita raízes numa ilusão. Mas é uma ilusão
produtiva. Nas repúblicas, há o risco de que a competição eleitoral, mesmo
respeitando-se a legalidade e a decência, divida a sociedade. Vivemos isso
no Brasil, nas últimas eleições gerais. Apesar de termos disputas livres
para a Presidência desde 1989, de contarmos com um ramo do poder judicial
especializado em assuntos eleitorais e de os candidatos não representarem
opções abissalmente opostas entre si, o fato é que o país viveu um clima
apocalíptico. Ora, em monarquias constitucionais, ainda que as paixões se
acirrem, há um ponto de convergência em torno de um simbolismo que é
nacional: o rei é chefe de Estado, enquanto os líderes eleitos são chefes
de governo. O poder eleito pode até extinguir a monarquia, se assim o
quiser, mas prefere mantê-la, porque confere estabilidade às instituições.

Mas não basta querer para ter isso. Quando houve nosso estranho plebiscito
sobre monarquia ou república, em 1993, alguns defensores do regime
monárquico mencionaram essa sua qualidade estabilizadora. Mas isso não se
introduz a frio, como um elemento de engenharia política. Monarquias que
funcionam devem sua eficácia à história do país, na qual de algum modo
desempenharam um papel importante. Tomemos alguns exemplos, além do
britânico.

Muito se espera do príncipe William, que pode ser o próximo rei. Diana foi
uma mãe amorosa e parece tê-lo formado num molde mais moderno
A Espanha: Juan Carlos foi o sucessor preparado pelo ditador Franco, um
dos piores déspotas do século XX - mas o príncipe, uma vez coroado,
liquidou o legado fascista. E em 1981, quando um coronel ensandecido
tentou um golpe de Estado, o monarca acabou com a farra indo à televisão
defender a democracia. Já na Bélgica, cujo rei Leopoldo III se rendeu aos
alemães em 1940 e colaborou com os ocupantes, uma longa crise se sucedeu à
libertação do país, só acabando quando o rei abdicou. Talvez por isso,
ainda hoje a monarquia belga não contribui para resolver o problema da
unidade nacional de seu país. Em suma, são respeitados os reis que o
merecem; os infames, não.

Num livro que cedo se tornou clássico, "A Invenção das Tradições",
organizado por Eric Hobsbawm, o historiador David Cannadine - certamente o
melhor estudioso atual da monarquia britânica - mostra como os rituais
"antigos" da realeza, na verdade, são recentes. Basta pensar nas
carruagens, que é o que mais nos impressiona nas cerimônias monárquicas:
há pouco mais de um século, eram veículos normais de transporte. Muito da
propalada antiguidade monárquica data mesmo do século XIX - desse período
em que Vitória retira a monarquia da política e a consolida na moral.

Mas mesmo isso não foi fácil. Alguns monarcas não souberam arcar com o
pesado fardo que Vitória legou. Seu filho, Eduardo VII, que reinou de 1901
a 1910, ficou notório por seus casos amorosos. Mais tarde, Eduardo VIII
abdicou do trono para se casar com uma americana divorciada e se tornou o
duque de Windsor, personagem do jet set internacional e nada mais que
isso. Esse breve rei simbolizou, para muitos, o homem que tudo sacrifica
por amor; mas sabe-se, hoje, de seu egocentrismo (e de sua mulher), de sua
ambição e, pior que tudo, de sua simpatia pelo nazismo.

Em compensação, os dois reis George - o V, que reinou durante a Grande
Guerra, e o VI, que sucedeu ao irmão para reinar durante a II Guerra
Mundial - desempenharam muito bem o papel de monarcas. O filme "O Discurso
do Rei" (2010), de Tom Hooper, mostra o custo que teve, para George VI,
assumir o trono quando o irmão renunciou para se casar com Wallis Simpson:
ele era gago. Nada previa que ele reinasse, ou sua filha, a rainha
Elizabeth II. Mas ele, a mulher e as filhas ficaram em Londres ao longo de
todos os bombardeios nazistas e seu exemplo fortaleceu o esforço de guerra
de um país que, por mais de um ano, aguentou sozinho o tranco da máquina
de guerra alemã. Não foi pouco. Segundo sua mulher, a Rainha Mãe, que
morreu em 2002 aos 101 anos, isso abreviou sua vida (por isso, ela nunca
perdoou o duque de Windsor).

Mas, após esses períodos quase heroicos, a realeza entrou em forte crise,
especialmente naquele que Elizabeth chamou o "ano horrível" de 1992 -
quando seus filhos Andrew, Anne e Charles se separaram de seus cônjuges. A
sociedade sentiu que os príncipes, longe de colocarem a vida pessoal em
segundo plano para cumprir seus deveres - pelos quais são regiamente pagos
-, queriam o melhor de dois mundos: dinheiro e prazer. A monarquia moral
de Vitória entrava em colapso, e a rigidez do príncipe Philip - que vemos
no belo filme "A Rainha" (2006), de Stephen Frears - não conseguiu
enquadrar a família; talvez só tenha piorado as coisas.

Mas a esperança está na nova geração. É verdade que o príncipe Charles,
que se tornara impopular depois que sua mulher, Diana, disse que o
casamento deles era "a bit crowded" (que havia uma multidão na relação,
aludindo ao amor dele por Camila Parker-Bowles), recuperou o respeito nos
últimos anos. Mas, sobretudo, muito se espera do príncipe William. Ele é
filho de Diana, que foi uma mãe amorosa e parece tê-lo formado num molde
mais moderno. Vive com a namorada há anos, de modo que sumiu a mística da
virgindade da noiva. Parece que a ideia de uma família real moralista e
casta - que seu pai e tios não conseguiram sustentar, porque se tornou
deslocada em nosso mundo - está dando lugar à de um casal que se conhece e
se ama. E ele pode ser o próximo rei. Elizabeth II, se for longeva como a
mãe, poderá sobreviver ao filho - ou Charles poderá herdar o trono, mas
por poucos anos. O casamento que agora se celebra pode ser tão midiático
quanto o de Charles e Diana, mas se faz em bases novas e mais sólidas,
para os noivos e para a instituição monárquica.

Nenhum comentário:

Postar um comentário