segunda-feira, 7 de março de 2011

PISO SALARIAL PARA PROFESSOR DE DIREITO

Especialmente para o amigo Yúdice, que sugeriu o tema.
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Caríssimos,

Foi publicada no DOU na semana passada a Instrução Normativa 01/2011 do Conselho Nacional de Ensino Jurídico do CFOAB, que transcrevo na íntegra ao final dessa postagem.

A referida instrução trata de recomendar aos Conselhos Seccionais que estabeleçam pisos salariais para remuneração dos professores de direito, como critério "sugestivo" para autorização e reconhecimento, além de renovação de reconhecimento dos cursos de direito.

Não é uma inovação a adoção de um critério que envolva avaliação de remuneração de professores na regulação dos cursos, pois a Instrução Normativa 01/2008 do mesmo CNEJ já o estabelecia. A alteração agora é que a própria OAB, através de suas Seccionais, irá estabelecer o piso de referência.

Minha incompreensão e irresignação diante da inovação pode ser resumida em alguns pontos expositivos, os quais vou buscar concentrar, ainda que suscitem subtemas:

1. O conceito de piso salarial envolve remuneração de trabalho exercido formalmente entre empregado e empresa e, inegavelmente, pertence ao direito do trabalho. Nessa condição, a Constituição Federal de 1988 define que compete privativamente à União legislar sobre o tema (art.22, I). Não me parece que a denominação "valor de referência" venha a descaracterizar a natureza da definição que a OAB pretende fixar, pois dela poderia resultar a negativa da autorização, reconhecimento ou renovação do reconhecimento na absoluta ausência de lei federal a respeito. Ora, dizer que o critério é "sugestivo" é um mero eufemismo, pois ele viria a "sugerir" o que, exatamente, na hipótese de inobservância do patamar remuneratório mínimo estabelecido pela Seccional? Um parecer negativo ou positivo? Ou iria gerar uma simples recomendação?

2. Ao referir-se a "piso remuneratório" a OAB está focando também as Instituições Públicas ou apenas as IES privadas? Sim, porque não é raro que as IES privadas tenham valores de hora-aula superiores às Universidades Federais, por exemplo. O parecer de "recomendação" seria exigível delas também, a despeito de não seguirem regras de mercado?

3. A avaliação da OAB em cada Estado-membro definiria patamares remuneratórios para os professores de direito e, por se tratar de regulação de cursos jurídicos apenas, como ficaria a questão da isonomia salarial em relação a professores de outros cursos de graduação na mesma IES? A IES deveria "sugestivamente" elevar a hora-aula de todos? A OAB pode exigir isso? Pode sequer "sugeri-lo"?

4. E, finalmente, a crítica que mais me incomoda: estamos diante, efetivamente, da defesa da melhoria do ensino jurídico ou da corporação dos advogados que exercem, aqui e acolá, atividade docente? A proposta da OAB é, de acordo com seus próprios considerandos, uma resposta aos problemas do ensino jurídico nacional ou a defesa de um espaço que tem sido cada vez mais disputado pelos advogados num mercado jurídico progressivamente inchado? A criação de uma boa alternativa de complementação de renda? Porque sendo assim, a OAB investe contra o ensino jurídico e as IES privadas com a mesmíssima lógica predatória que busca combater. Isso porque, considerando que a proposta venha prevalecer, a tendência será tratar a questão por números (menos professores com mais disciplinas ou manter o status quo com repasse de valores). Em qualquer desses casos, as coisas podem melhorar para os advogados, mas não para o ensino jurídico...A bem da verdade, e esse é o centro do meu argumento, enquanto o ensino ou melhor, a educação jurídica continuar sendo tratada como coisa de advogados, juízes, promotores e não de PROFESSORES, nossas polêmicas permanecerão no nível das operações aritméticas e econômicas, de um modo ou de outro. Claro que há advogados, juízes e promotores que são verdadeiramente comprometidos com a educação e seguem sendo importantes atores nos debates e horizontes mais favoráveis na reformulação das metodologias de ensino no direito e critérios de avaliação de qualidade dos cursos. Mas isso enquanto PROFESSORES antes de mais nada. O que vem depois nos seus currículos, fica para depois.

Pensar como corporações para propor medidas de defesa da "qualidade" do ensino jurídico nos deixará girando em círculos viciosos. O melhor seria podermos discutir planos de carreira nas IES, estes baseados na dedicação mensal, nas atividades de formação e projetos, nos núcleos complementares de formação básica e profissional e titulação docente. Isso sim, dá alguma chance de entender o problema remuneratório como uma questão de qualidade do ensino superior tout court, e não apenas para as corporações. Aí sentimos a falta das associações nacionais de professores e pesquisadores, dos especialistas em ensino jurídico como a ABEDI. Esse lugar, permito-me dizer com todo respeito a seu papel histórico na defesa de outras relevantes bandeiras, não é o da OAB.

É minha opinião, respeitosamente.

Sandro Alex


ANEXO


INSTRUÇÃO NORMATIVA N. 01/2011
Altera o inciso V do art. 8º da Instrução Normativa n. 01/2008 - CNEJ, instituindo o piso remuneratório do professor de Direito.
CONSIDERANDO que a Instrução Normativa n. 01/2008 - CNEJ, atualmente em vigor, por seu art. 8º, V, elenca a remuneração ao professor de Direito dentre os pressupostos para configurar projeto de curso diferenciado apto a excepcionar o requisito da necessidade social nos processos de autorização, reconhecimento, renovação de reconhecimento e aumento de vagas de cursos de graduação em Direito;
CONSIDERANDO que a média regional remuneratória, em cada Estado do País, vem sendo considerada insuficiente para um pagamento adequado à contraprestação dos relevantes serviços de docência superior;
CONSIDERANDO que a OAB possui o poder-dever de fixar critérios para a autorização, reconhecimento, renovação de reconhecimento e aumento de vagas de cursos de graduação em Direito, cumprindo a atribuição da Entidade fixada no art. 54, XV, da Lei n. 8.906/1994, segundo o qual compete ao Conselho Federal "colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos, e opinar, previamente, nos pedidos apresentados aos órgãos competentes para criação, reconhecimento ou credenciamento desses cursos";
CONSIDERANDO a reivindicação dos advogados professores de Direito pela fixação de um piso para a hora-aula docente;
CONSIDERANDO que as Seccionais da OAB, em cada Estado, possuem condições e sensibilidade para fixar um patamar remunerativo que assegure dignidade aos professores de Direito;
CONSIDERANDO que o piso remuneratório ora estatuído possui caráter sugestivo, como pressuposto interno de avaliação dos cursos de Direito;
O Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, após aprovação unânime da Diretoria, em sua 23ª Reunião, RESOLVE:
Art. 1º O inciso V do art. 8º da Instrução Normativa n. 01/2008-CNEJ passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 8º...........................................................................................................................................................
.......................................................................................................................................................................
V - remuneração do corpo docente igual ou acima do valor de referência fixado pelo Conselho Seccional da OAB do local do curso de Direito.
........................................................................................................................................................................"
Art. 2º Esta Instrução Normativa entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 3º Ficam revogadas as disposições em contrário.
Brasília, 1º de março de 2011

10 comentários:

  1. Agradeço e sugiro a leitura, lá meu blog.

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  2. OI Sandro apresentei uma reflexão sobre seu brilhante comentário e esclarecedor sobre o assunto em tela , mas não sei se vc recebeu no seu e-mail ou sumiu daqui . Conte comigo para melhoria da educação do ensino jurídico

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  3. Cara Magda,

    Agradeço-lhe a leitura e apreciaria ler teu comentário que, de fato, não recebi aqui nem por e-mail...Posso ter me atrapalhado. Se não chatear-lhe, reenvie-me.

    Abs,

    Sandro ALex

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  4. Sandro, seu comentário, em especial o item 4, deveria ser lido e debatido por todos os professores de direito, em especial a todos os que fazem a www.abedi.org.
    Vou repercutir na rede.
    Abraços.
    Evandro Carvalho.

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  5. Sandro, meu irmão. Tem um outro problema. Como sempre, o chamado efeito perverso da norma. Tem muita IES que está ampliando o percentual de professores com dedicação para além dos 30%... Ora, se a proposta da OAB passa, vamos ter, quando muito, os 30% e só...

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  6. Não discordo de uma vírgula do que você disse e ainda fico preocupado com a consideração que o Prof. Daniel Cerqueira levantou.

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  7. Eu considero que o verdadeiro e urgente debate sobre o ensino ou educação jurídica no nosso país é o da PROFISSIONALIZAÇÃO do docente, discussão essa que foi enfrentada -por exemplo- na Alemanha por ocasião de sua unificação tardia e teve como expoentes um Ihering, por exemplo. Esse é um debate eminentemente acadêmico e decisivo e envolve, não questiono isso, o problema remuneratório, mas também e talvez, principalmente, o da dedicação dos docentes. Na Folha de São Paulo de hoje, ademais, dá-se a notícia que o Brasil é o único país do bloco emergente (BRIC)que não tem sequer uma universidade na relação das 100 melhores do país. Isso se deve, sem dúvida alguma, aos míseros recursos de pesquisa e, não devemos esquecer, a uma cultura de professores que não são pesquisadores nas IES brasileiras. Alguma hesitação quanto ao fato de que isso nos toca -aos juristas- nesse discussão sobre "piso salarial"? Não é apequenar a verdadeira questão? Mormente quando não apenas o debate, mas a REGULAÇÃO do problema vem a ser liderado por uma CORPORAÇÃO profissional de advogados? Por melhor que possam ser os advogados-professores, repito o meu ponto de vista já textualmente registrado: esse é um debate da ACADEMIA e não das corporações! É isso. Grato pelos comentários.

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  8. Estimado Sandro

    PARTE I

    Sua exposição de motivos a cerca da IN do CFOAB em cuidar dos nossos salários é muito pertinente e reflete sobre tudo que eu sempre pensei e venho divulgando tanto aos meus alunos como em reuniões com a direção de Ensino de IES que faço parte, qual seja ; " a busca da melhoria do ensino de direito , nas suas melhores formas e métodos de aprendizagem para o dicente “ , que ao meu ver sempre foi o nobre propósito da ABEDI . Creio que vcs como dirigentes da Associação deveriam se impor neste aspecto, lutando com armas brancas , ou seja, fazer uma real aliança com a OAB, pois sou a favor da “paz entre os homens de boa vontade” , pois só assim, cresceremos ou acrescentaremos juntos o progresso da nação , ressaltando é claro! cada um nos seus devidos lugares , no que se refere a exercicio de atos ou atividades que lhe são conferidas de pleno direito .. Acredito que , se assim caminhasse a humanidade , não viríamos tantos atropelos no curso de várias histórias de organizações, orgãos , instituições , sociedades ou associações como a ABEDI , que já existe ao longo de alguns anos .

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  9. PARTE II

    ..Ressaltando que , apesar das poucas reuniões que participei da ABEDI , porém tenho acompanhado pelas trocas de e-mails do grupo os calorosos e importantes temas que são discutidos por “grandes doutores humanitários" como vc , que nos representa na Região Norte Percebo que a luta da ABEDI é uma luta de pessoas que entendem de educação de ensino em todos os aspectos , sem ferir quaisquer princípios, normas , onduta ou ética profissional de nenhum ser humano ou organizações governamentais ligadas ao ensino de Direito.. A exemplo do que vc argui no item 3 - considerado fundamental ,se não o crucial ponto desse debate ou seja : " como ficaria a questão da isonomia salarial em relação a professores de outros cursos de graduação na mesma IES?" e seguindo adiante a sua incomodação apontada no item 4, que também deve ser a de todos os professores –advogados , a qual me incluo , que não estão nas IES “vendendo apenas conhecimento" mas sim, estão ali para ultrapassarem as fronteiras do ensino jurídico, doando o melhor de si em prol do que deveria ser o objetivo comum de todos nós : “ melhoria do ensino visando a formação de excelentes profissionais do direito .

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  10. Parte III

    Outro ponto que me incomoda muito aproveitando a oportunidade do assunto em questão ; são os "professores-advogados", será que estes obterão nessa atribuição de de valores da IN/OAB outros critérios de avaliação? haja vista, o que vc pountua como podendo ser mais um ato de corporativismo ? e então sendo assim , seriam estes melhores remunerados pq trazem em em sua bagagem curricular não só a experiência da prática-forense mas também uma das exigências do MEC para reconhecimento de cursos de direito , que deixam bem claro em suas entrevistas com o corpo docente ; "nós queremos professores operadores do direito, para que tragam suas experiências da vida forense para dentro da sala de aula . Concordo plenamente com essa avaliação do MEC, porém fere novamente o princípio da isonomia , em relação aos professores que optaram apenas pelo magistério e não exercem a profissão pq simplesmente não querem, ou por força da dificuldade de obterem registro da OAB ...e ai eu pergunto o que será dos grandes mestres e doutores que nasceram com dons apenas para o magistério? segundo o MEC comparado aos professores que acumulam a militância da advocacia, sem sombra de dúvidas trarão a melhor experiência atividade profissional para acadêmico, mas por outro lado, não podem ser diferenciados dos professores por exemplo de D. Humanos, Histórias do Pensamento Jurídico, ou de Deontologia Jurídica , que trabalham mais em linha de pesquisa ,reflexão , criticas discursivas sobre a matéria ? Confesso que eu ainda não consegui entender como será o critério de avaliação da OAB na atribuídos pisos ou valores salariais .. Inclusive já pedi explicações ao nosso Presidente Ophir a cerca do assunto e estou aguardando a sua resposta .. é por isso Sandro, que insisto em expressar ; que a ABEDI é uma associação preparada e com inúmeros estudos do dia a dia do professor, da metodologia de ensino qualificada e diferenciada para o melhor aprendizado e sendo assim; deve trabalhar em conjunto com a OAB ou enviar suas próprias planilhas para atribuições desses valores , planos de cargos e salários etc . Sem querer causar qualquer polêmica , trata-se apenas de uma simples e singela contribuição em defesa da ABEDI , da paz , da justiça, dos direitos humanos “iguais para todos” !

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