terça-feira, 29 de março de 2011

Entrevista Min.Luiz Fux

Em complemento a minha última postagem, ou a fortiori


_______________________________________


Folha de São Paulo 28 de março de 2011

ENTREVISTA DA 2ª LUIZ FUX

"Debaixo da toga de juiz também bate um coração"

Ministro do STF não aceita ser responsabilizado pelo voto que anulou a
Ficha Limpa para 2010 e diz que tenta equilibrar "razão e sensibilidade"
ao julgar

O ministro Luiz Fux, durante entrevista em Brasília

VERA MAGALHÃES
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

MÁRCIO FALCÃO
DE BRASÍLIA

O ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux não aceita ser
responsabilizado pelo voto que anulou a aplicação da Lei da Ficha Limpa
nas eleições de 2010.
Juiz de carreira, disse que procurou argumentos jurídicos para tentar
validar a regra na última eleição, mas não encontrou. "Debaixo da toga de
um magistrado também bate um coração", disse, ao explicar que tenta
equilibrar "razão e sensibilidade".

Folha - Como o sr. se sentiu desempatando uma questão tão controversa como
a da validade da Lei da Ficha Limpa em 2010?
Luiz Fux - Eu não desempatei nada. Apenas aderi à posição majoritária do
Supremo, que era no sentido de não permitir que a lei valesse para as
eleições do mesmo ano. Os votos foram de acordo com o artigo 16 da
Constituição, que é um artigo de uma clareza meridiana. Uma coisa tão
simples que às vezes um leigo sozinho, lendo o dispositivo, vai chegar à
mesma conclusão que eu. O artigo 16 diz que a lei que altera o processo
eleitoral não se aplica na eleição que ocorra até um ano de sua vigência.

Como corte constitucional, o STF deve fazer distinção entre o que deve
prevalecer: os direitos individuais ou os direitos da sociedade?
A Constituição não legitima julgamentos subjetivos. Senão, partimos para
aquela máxima de "cada cabeça, uma sentença", e não vamos ter uma
definição do que é lícito e o que é ilícito. A população só tem segurança
jurídica a partir do momento em que o magistrado se baseia ou na lei ou na
Constituição. A interpretação só se opera quando há uma dubiedade.

Alguns ministros apontaram inconsistências na Ficha Limpa. O sr. acha que,
no futuro, o STF pode derrubá-la?
Nós julgamos a questão do artigo 16, que tornou absolutamente indiferente
a análise das demais questões. Não houve ninguém que tivesse declarado a
lei inconstitucional. Por isso afirmei que fiquei impressionado com os
propósitos da lei, fiquei empenhado em tentar construir uma solução. Tanto
que não consegui dormir, acordei às 3h e levei seis horas para montar o
voto. A partir do julgamento, a única conclusão a que se pode chegar é que
ela se aplica a partir de 2012.

Mas quando o ministro Cezar Peluso diz que nem as ditaduras ousaram fazer
uma lei retroagir para punir crimes, ele não está dando mote para que a
lei seja questionada?
Uma coisa é a anterioridade, prevista no artigo 16, e outra é você falar
em retroatividade. Às vezes há um impulso de se confundir as coisas. Se a
lei pode ser aplicada aos crimes anteriores não foi objeto de debate.
Acredito que isso foi uma manifestação isolada diante do clima que se
criou diante da judicialidade do argumento.

Mas pessoalmente o sr. vê problema nisso?
Hoje não. Mais tarde poderão surgir novas demandas? Poderão. Até por isso
não posso me pronunciar agora, mas eu digo que a lei vale para 2012. A Lei
da Ficha Limpa é movida pelo melhor propósito de purificação da vida
democrática. Acho a opinião pública muito importante, mas, para nós, a
Constituição é um santuário sagrado.

O Judiciário não demora demais em responder a essas demandas?
Entra em cena outra questão, que é a judicialização da política. Aqui não
há a judicialização da política: há a politização de questões levadas ao
Judiciário. Por que não resolveram isso lá entre as próprias instituições?
Como a Constituição garante que todo cidadão lesado pode entrar na
Justiça, todos os que se sentiram prejudicados pela lei entraram em juízo.
Passam pela primeira instância, TRE, TSE e ainda cabe recurso ao STF. Sou
defensor da eliminação do número de recursos. É preciso que a população se
satisfaça.

O sr. pode ficar quase 13 anos no STF. Pretende sair antes?
Aí a gente vai ter que valer da frase de que o futuro a Deus pertence.
Acho que é uma ideia legítima você contribuir com seu país por dez anos e
depois você permitir que outros possam ocupar.

A divisão desse julgamento tende a se repetir?
Mesmo os magistrados mais experientes têm um grau de intelectualidade
muito avançado, não merecem a pecha de conservadores. O voto do ministro
Gilmar Mendes é baseado em doutrinas recentes. Não tem grupo nem deve se
imaginar isso. Até porque o STF visa a fazer Justiça à luz da lei e da
Constituição. Não é um tribunal de justiçamento.

O STF tem pela frente casos polêmicos, como a extradição de Cesare
Battisti. Qual sua posição sobre o caso?
Uma tese sub judice não pode ser adiantada sob pena de criar um paradoxo e
eu ficar impedido de julgar.

A extradição virou disputa entre a questão política e o entendimento do
tribunal?
A questão que se vai colocar é: se o ato do presidente é vinculado à
decisão do Supremo ou é um ato discricionário. Tem sistemas jurídicos de
todos os gostos. Tem o que avalia apenas se estão presentes as condições
de extradição. A discussão é saber qual é o sistema brasileiro. É aquele
que entende que o Judiciário só avalia e tem que cumprir, ou o Judiciário
é impositivo, e cabe apenas ao presidente cumprir? Vai depender do teor da
decisão.

Há na pauta outros casos de repercussão social, como a união homoafetiva.
Como o sr. se posiciona nesses casos?
No Supremo, você aplica regra bíblica de a cada dia uma agonia. Por
exemplo, a Lei da Ficha Limpa foi incluída na sexta à noite na pauta.
Essas coisas são divulgadas muito em cima da hora.

Mas o sr. nesse ponto também pretende ser estritamente técnico?
Julgo sempre segundo minha consciência, e acho que estou fazendo o melhor.
Sou humano. Se errar, vou errar pelo entendimento. Sou sensível aos
direitos fundamentais da pessoa humana.

Outra polêmica posta é sobre os limites do CNJ. O sr. acha que o ministro
Peluso adotou uma postura mais corporativista que a anterior?
O ministro Peluso é um juiz de carreira que exerce a presidência. E não
tem a história de um homem corporativista. Ele só não vai permitir a
condenação de uma pessoa em bases infundadas.

Qual o sr. acha que deve ser o limite de atuação do CNJ?
O CNJ foi uma grande inovação quanto ao controle externo, mas tem tido
questionamentos quanto à atuação, de desvios da função. É o que temos de
analisar.

Neste ano ou no próximo os srs. vão se deparar com o maior julgamento da
história do STF, que é o do mensalão. O sr. acha que o Supremo é a corte
adequada para julgar questões penais?
Juiz tem de julgar de tudo. Outro questionamento, o da prerrogativa de
foro, tem um pressuposto correto, porque o ente público, dependendo da
função que exerça, está sempre sendo questionado. Não seria razoável ele
ser julgado cada hora num lugar.

Mas existe o outro lado dessa questão, que é o fato de o Supremo demorar
demais para se manifestar em questões penais. Até hoje há apenas três
casos de condenação.
Isso é uma realidade inafastável. Mas hoje o fato de você ter juízes para
produzir provas, fazer a oitiva de testemunhas, agiliza muito. Pelo
tamanho do processo, o ministro Joaquim Barbosa está tendo uma presteza
enorme.

Em 2007, quando o STF decidiu receber a denúncia do mensalão, o ministro
Ricardo Lewandowski fez um desabafo dizendo que a corte julgou "com a faca
no pescoço". No julgamento, a pressão deve voltar. Como equilibrar isso?
Acha que eu não julguei a Ficha Limpa com a faca no pescoço? Acho que os
ministros vão se equilibrar no fio dessa navalha no seguinte sentido: o
processo penal determina que seja apurada a autoria e a materialidade.
Esse é o papel do STF. Discussão política é inaceitável

Um comentário:

  1. A explanação do ministro Luiz Fux a folha, foi no mínimo excepcional, haja vista que após a decisão a respeito da lei "ficha limpa" o mesmo foi vitimado por inúmeros críticos e jornalistas como um falseador,uma atitude no mínimo equivocada haja vista que o principal papel de um ministro é julgar um caso com sapiência,visando uma não agressão a constituição, não podendo desse modo promulgar uma lei anti-constitucional, a principal definição dada aos ministros da suprema corte seria que os mesmo são guardiães da constituição. A justiça deve ser concretizada nos parâmetros legais. para que não haja uma possível revogação da mesma posteriori. acredito que o ministro foi feliz em sua primeira decisão como ministro.

    Hector Monteiro

    ResponderExcluir